O SAPO PULANTE
O sapo pulante num voo rasante
atravessou a brisa amena e cálida
do pátio da Igreja sem padre nem crente.
De olhos arregalados e bem femininos,
olhou para a fachada do templo
como fosse esplendorosa vitrine
e que nem pulasse de letra em letra
leu soletrando a escrita latina no cimento frio:
"Siste Viator et ora Mariam".
Forasteiro exausto ainda longe de casa
sentou-se nos trazeiros como fossem almofadas
ou dois travesseiros à sombra das letras,
belos salgueiros,
e quieto ficou, em extase e estado de graça
e com o olhar abrangente que tudo enlaça
e sem entender os dizeres
pulou no infinito na forma de susto e de grito e prazeres
e lá por um tempo ficou alheio a insetos, mariposas e mosquitos.
Como se acordasse do nada
e sonâmbulo caísse e rolasse pela escada
pulou no tempo, mancou da perna, e continuou a jornada
pulando de vagar, um salto medido,
desceu degrau por degrau e o fazia sem pressa
mirando-se nos espelhos da escadaria larga de pedra fria .
Pegou um inseto com sua língua danada,
subiu a mureta e contemplou a esplanada,
e engoliu o inseto que apareceu na sua frente
e mais que depressa pulou pro seu ventre,
sentindo doce prazer e recostando a pança
parecia dormir no duro cimento das rezas e lamentos,
misturado a odores de velas e ao perfume
de incensos.
Da mureta pulou pra grama do jardim de repente
e ali permaneceu sem se mover, parado como fosse gente
pensando asneiras enquanto a brisa nem fria nem quente
roçava-lhe o dorso empolado e carrasquento
como fosse escova ou mesmo um delicado pente.
Fiquei a contemplar o sapo imóvel naquela sítio sagrado
enquanto o vento feito gari varria as folhas secas
que do pátio esvoaçavam feito borboletas encantadas
e um bando de colibris que se misturavam formando
figuras de anjos alados.
Subiam e desciam vagando pelas trilhas das almas perdidas
arrastando seus corpos pelas encruzilhadas e dormidas,
pedindo para entrar no templo senão pela porta da frente
ao menos pela porta do lado,
queriam cumprir suas promessas
e pagar seus pecados
mas as portas permaneciam mudas e ausentes,
e com enormes ferrolhos foram trancadas.
Lá do jardim num salto majestoso
o sapo pulou pro Cruzeiro do Sul
e de estrela em estrela saltava
esticando o dorso e a lingua afiada
pronto a devorar no seu sonho de príncipe
uma linda e majestosa borboleta azul.
Abaixo meu olhar e contemplo a Avenida,
e me sinto também como uma alma perdida,
ouço o murmúrio de homens que comem e bebem
jogam sinuca e outros que chavecam nas portas dos bares
e outros que gritam ao garçon para que traga bebidas
e uma porção de caleabresa e uma cerveja bem gelada,
enquanrto os caminhões pulam de marcha em marcha
e bufam seus motores numa íngreme subida
e depois somem como engolidos na garganta da estrada.
Meu olhar pula da Avenida para a cruz de madeira,
encostada à parede dos fundos da Igreja,
uma cruz abandonada depois de árduas pelejas
uma cruz ali esquecida que ninguém a deseja...
Meu olhos de pulo em pulo descem os degraus
e vão à aprocura do sapo no jardim,
mas em mim é o vazio do sapo que se foi
soletrando as letras da escritura que se escrevi
já não me lembro nem sei,
pois neste relato apenas conto o que vi.
Volto meus olhos para fachada iluminada
e vejo anjos, santos e diabos assustados,
e me apavoro com o globo com uma cruz encimada
e a sua sombra o sapo estica a lingua comprida
e de uma e uma devora sem pressa e calado
como fossem insetos as letras latinas da alta fachada.
A sacada é íngreme e a mureta elevada,
a igreja é um rosto dormido num corpo cansado,
e as casas lá embaixo se afundam
e me deixam náufrago à sombra de um ramo
numa poça de água de meu sonho acordado.
17/04/2009
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