Sapo pulante

Texto de José Benedito postado em 28/09/2021

O SAPO PULANTE

 

O sapo pulante num voo rasante 

atravessou a brisa amena e cálida

do pátio da Igreja sem padre nem crente.

De olhos arregalados e bem femininos, 

olhou para a fachada do templo 

como fosse esplendorosa vitrine

e que nem pulasse de letra em letra

leu soletrando a escrita latina no cimento frio:

"Siste Viator et ora Mariam".

 

Forasteiro exausto  ainda longe de casa 

sentou-se nos trazeiros como fossem almofadas

ou dois travesseiros à sombra das letras, 

belos salgueiros,

e quieto ficou, em extase e estado de graça

e com o olhar abrangente que tudo enlaça

e sem entender os dizeres 

pulou no infinito na forma de susto e de grito e prazeres

e lá por um tempo ficou alheio a insetos, mariposas e mosquitos.

 

Como se acordasse do nada 

e sonâmbulo caísse e rolasse pela escada

pulou no tempo, mancou da perna,  e continuou a jornada

pulando de vagar, um salto medido,

desceu degrau por degrau e o fazia sem pressa

mirando-se nos espelhos da escadaria larga de pedra fria .

 

Pegou um inseto com sua língua danada,

subiu a mureta e contemplou a esplanada,

e engoliu o inseto que apareceu na sua frente

e mais que depressa pulou pro seu ventre,

sentindo doce prazer e recostando a pança

parecia dormir no duro cimento das rezas e lamentos,

misturado a odores de velas e ao perfume 

de incensos.

 

Da mureta pulou pra grama do jardim de repente

e ali permaneceu sem se mover, parado como fosse gente

pensando asneiras enquanto a brisa nem fria nem quente

roçava-lhe o dorso empolado e carrasquento

como fosse escova ou mesmo um delicado pente.

 

Fiquei a contemplar  o sapo imóvel naquela sítio sagrado

enquanto o vento feito gari varria as folhas secas

que do pátio esvoaçavam feito borboletas encantadas

e um bando de colibris que se misturavam formando 

figuras de anjos alados.

Subiam e desciam vagando pelas trilhas das almas perdidas

arrastando seus corpos pelas encruzilhadas e dormidas, 

pedindo para entrar no templo senão pela porta da frente 

ao menos pela porta do lado,

queriam cumprir suas promessas

e pagar seus pecados

mas as portas permaneciam mudas e ausentes, 

e com enormes ferrolhos foram trancadas.

 

Lá do jardim num salto majestoso 

o sapo pulou pro Cruzeiro do Sul

e de estrela em estrela saltava 

esticando o dorso e a lingua afiada 

pronto a devorar no seu sonho de príncipe

uma linda e majestosa borboleta azul.

 

Abaixo meu olhar e contemplo a Avenida,

e me sinto também como uma alma perdida,

ouço o murmúrio de homens que comem e bebem 

jogam sinuca e outros que chavecam nas portas dos bares

e outros que  gritam ao garçon para que traga bebidas

e uma porção de caleabresa e uma cerveja bem gelada,

enquanrto os caminhões pulam de marcha em marcha

e bufam seus motores numa íngreme subida

e depois somem como engolidos na garganta da estrada.

 

Meu olhar pula da Avenida para a cruz de madeira,

encostada à parede dos fundos da Igreja,

uma cruz abandonada depois de árduas pelejas

uma cruz ali esquecida que ninguém a deseja...

Meu olhos de pulo em pulo descem os degraus 

e vão à aprocura do sapo no jardim, 

mas em mim é o vazio do sapo que se foi

soletrando as letras da escritura que se escrevi

já não me lembro nem sei, 

pois neste relato apenas conto o que vi.

 

Volto meus olhos para fachada iluminada

e vejo anjos, santos e diabos assustados,

e me apavoro com o globo com uma cruz encimada

e a sua sombra o sapo estica a lingua comprida

e de uma e uma devora  sem pressa e calado

como fossem insetos as letras latinas da alta fachada.

 

A sacada é íngreme e a mureta elevada,

a igreja é um rosto dormido num corpo cansado,

e as casas lá embaixo se afundam

e me deixam náufrago à sombra de um ramo

numa poça de água de meu sonho acordado.

 17/04/2009

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